sexta-feira, 24 de junho de 2011

Dans le noir

Querida mamãe, querido papai.

Já estamos em Paris há quase uma semana e ainda tem zilhões de coisas para descobrirmos. Hoje andamos o dia inteiro e chegamos exaustos ao hotel. Mortos de fome, perguntamos pro atendente se ele conhecia um fast food pra nos indicar. Ele nos olhou nos olhos durante longos segundos e depois disparou a gritar, mas não entendemos muito bem o que ele disse. O Andrezito, que sabe de cor a letra de “Je t’aime, moi non plus...” e por isso é o que melhor fala francês de nós três, pescou umas palavras. Parece que o sujeito misturou na mesma frase “turistas estúpidos”, “Paris”, “um milhão de restaurantes”, “McDonalds”, “Mickey”, “lixo americano” e “explodir aquele país com uma bomba de mil megatons e depois jogar sal grosso por cima”.

Tadinho do atendente, acho que todo aquele discurso o deixou sem fôlego, pois no final ele não parava de bufar. Decidimos deixar o pobrezinho descansar um pouco e saímos na louca à cata de algo pra comer. Foi a Pituca quem sugeriu:

- Oie! Estamos em Paris, a cidade dos restaurantes. E se a gente trocasse o Big Mac por um verdadeiro jantar?

Todos concordamos e decidimos entrar no primeiro que aparecesse pela frente. E foi assim que chegamos ao Dans le Noir, um restaurante com uma cara muito simpática e um pessoal solícito. Ninguém ali falava português, claro, mas não tivemos problemas para nos comunicar em inglês. Uma garçonete veio nos explicar como funcionava o lugar.

- Aqui vocês comem no escuro total, sem saber o que tem no prato.

A gente adorou aquela ideia, menos o Andrezito. Ele falou que não saber o que tem no prato não era novidade nenhuma, pois até hoje não conseguira decifrar a gororoba que sua mãe preparava diariamente no almoço. Mas insistimos e ele topou jantar ali. A moça continuou as instruções.

- Um de vocês segura no meu ombro. Os outros se colocam em fila e fazem o mesmo com quem está na frente. Não soltem de jeito nenhum, pois no salão não há qualquer luz.

Só aí reparamos que a atendente era cega. Aliás, não somente ela, mas quase todo mundo que trabalhava ali. Segurei então no seu ombro, o Andrezito veio atrás e a Pituca por último. E entramos no salão escuro. Tudo ia bem, até que o Andrezito resolveu aprontar das suas e apertou os meus pneus. Mamãe e papai, vocês sabem como eu mooorrooo de cócegas. E quando me tocam ali, perco totalmente o controle. Mal o Andrezito encostou, me contraí toda e quase esmaguei o trapézio (viva as aulas de anatomia!) da atendente, que caiu no chão. Eu e o Andrezito tropeçamos por cima dela. A Pituca teve menos sorte, pois escorregou feio e, no desespero, agarrou-se aos cabelos de um cliente que estava jantando tranquilamente. Os dois despencaram como uma torre Eiffel implodida e, segundo ela conta, saíram rolando pelo salão. Um funcionário do lugar veio correndo com uma lanterna, disse uns mil “pardons” ao cidadão e nos levou à nossa mesa. Eu acho que aquela confusão cansou os dois sujeitos, pois eles não paravam de bufar.

Já instalados, não enxergávamos um dedo à frente do nariz. A garçonete chegou com a comida e disse para não nos mexermos enquanto ela nos servia. Depois nos explicou que os talheres estavam em cima da mesa, mas o legal era comermos com as mãos e tentarmos adivinhar o que ela nos havia servido. Comentei com Andrezito e Pituca que havia algo meio molenga, frio e grudento no meu prato e o Andrezito (sempre ele) me lembrou que na França se come muito escargot. Ele disse até que as crianças pegam escargot na rua, passam uma manteiguinha e botam pra dentro. E que provavelmente era aquilo que tinham nos preparado. Mamãe e papai, vocês sabem que eu mooorrooo de nojo de caracol, lesma e bichos rastejantes em geral (como o Fabinho, aquele meu ex).

Aí não pude controlar, gritei com toda a força, quebrando a calma francesa do lugar e começando uma confusão, com direito a pratos caindo e uma baita de uma gritaria. Pituca e eu não entendemos nada do que diziam, mas o Andrezito compreendeu algumas coisas, como “turistas estúpidos”, “Paris”, “um milhão de restaurantes” e “alguém chama rápido um médico porque tem um senhor sofrendo um ataque cardíaco aqui atrás”.

Não demorou e um funcionário surgiu pra acender a luz do salão pela primeira vez na história do restaurante e tentar resolver aquela pândega (viva as aulas de português!). Mas antes de ele chegar, nós já tínhamos nos arrastando até a saída. Fomos direto ao caixa, a fim de pagar a conta e sumirmos dali. Quando vimos o quanto devíamos, o conceito do restaurante fez todo o sentido: aquele jantar nos custou os olhos da cara. Mas não tem problema, afinal estamos em Paris e Hemingway já dizia que Paris é uma festa (viva as aulas de literatura!).

Amanhã vamos à Eurodisney.

Beijos da Ju.

2 comentários:

Bartolomeu disse...

Ju, esse Andrezito tem alguma coisa a ver com André Dourado, que de tempos em tempos dá as caras por Paris? Ou seria alguma coisa como um mix dele com Raulzito? Sabe, aquele do "Toca Raul!" (ou "Toca, Raul").

Camila Santos disse...

Eita, eu já fui nesse restaurante. Depois de passada a agonia inicial por causa do escuro, fica até divertido.